terça-feira, 31 de maio de 2011

Os homens e os deuses

Há os homens de barro
E os deuses de carne
Moram no meu bairro
E já tiveram acne

Às franjas da minha revolução
As velas do bolo não correspondem
Mais à idade em evolução
As águas submergem a ponte
E o que se afoga
Já foi vivido com folga

Há os homens das nuvens
E os deuses da cédula
Vendem no fim dos túneis
Luzes que somente cegam.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Na papila dos olhos, na pupila da língua

Eu me mantenho
Através dos ossos
Dos pés e do silêncio
Enquanto a lua míngua
Na papila dos olhos

Eu me contenho
Do modo que posso
No gordo incêndio
Na pupila da língua
Lambendo os destroços

E quando a lua ficar nova
Mudarei meu visual
Deixando toda a sobra
Ao próximo funeral
Tento entender quem chora
É só mais um ritual.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Mesmo a esmo

Eu tenho tanta coisa pra fazer
Que nem sempre me lembro
E faço tanto o que não se ousa pra ter
A prorrogação do tempo
Que tendo ainda a crer
Na minha fase de crescimento

A despeito da chuva
No meio do fim de semana
Eu vou certeiro, mesmo a esmo, à luta
E abraço a campanha
Brindando com menos cicuta
Eu me embriago de esperança.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Aquele dia

Preciso limpar a mochila
Depois de cultivar a pachorra
Na quilométrica fila

Quero que chegue aquele dia
De deixar crescer a barba toda
Pra cortar a densa rotina

Sou assaltado pelo cansaço
Ao fazer de lixeira o cinzeiro
Com unhas, chicletes e enfados

Mas, tudo bem, eu passo
A bola, a roupa e o tempo
Em troca do seu abraço.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Daqui a onze mil dias

Quem me dera ter um dispositivo
Que me conduzisse
Apesar da imobilidade e da calvície
À velhice

Lá pela década de quarenta
Do século vinte e um
Atuarei mais no cinema
Do que no atual teatro dos comuns

Quem me dera estar vivo
Daqui a onze mil dias
Quando a aposentadoria
Não for mais utopia

Ao atingir os sessenta
E poucos anos
Vou diluir meus problemas
No oceano e na horta que já planto.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Para ficar mais perto

Ao passo que a minha alma caminha
Tendo a carcaça e a bruma maciça
Como quase imutáveis companhias
Vou me dopar e me topar naquela esquina
Para ficar mais perto dos breus

Confesso que eu me esqueço
Do sol que tenho aqui dentro
Para dissipar o nevoeiro
Serve também o vento
Para ficar mais perto dos céus

Enquanto ando
Ainda que sonâmbulo
Vou tateando
O que sonho tanto
Para ficar mais perto de Deus.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Sempre que é nunca

Enquanto a mediocridade ascende
Embora patine
Na zona de conforto novamente
Onde o confronto com a realidade não se define
Nada acende além de
Você e de mim
E as contas que se propagam
São pagas com o nosso din-din
A sobremesa não devia ser amarga

É meu natural direito
Querer que aceitem
O meu jeito
Eu careço que me acertem
No peito
Para que seja exposto
Em praça pública
O meu coração que fica fosco
Sempre que é nunca.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Sem o domesticado desespero

Sentado no trono
Lembro que existo
Sob o olhar pronto
De Jesus Cristo
Sempre que deixo
A porta aberta
Sem o domesticado desespero
Das antimetafóricas cadelas
Eu acordei antes do sol brotar
Longe do ocaso ao contrário
E minha irmã há de me dar
Um presente extraordinário
Algo que recompense
O tempo em que passei absorto
Cuidando dos seus pertences
Ela tem bom gosto.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O melhor dia que já houve

Vou te contar
No quinto andar
Que sei imitar
E do quinto pavimento
Que eu sinto e não me contenho
Contanto que eu firme
Contigo um contrato
Para uma viagem com direito a um filme
De roteiro concretamente abstrato

Canto de modo quente e contente
Ao constatar que consta um contato
Com o tato do grande teto
Com as tetas que ordenho
Tantas tintas tontas que tento ordenar
No fim das contas
O desenho é a senha do sonho
E o melhor dia que já houve
É hoje.

A cada folha extraída

Uma manhã a mais
É uma noite a menos
O sol sempre sai
Apesar do céu cinzento

Os olhos salientes de criança
E nada silentes da minha cara
Veem para além da ganância
De quem se vende por nada

Na hora do caldo
Com as cartas à mesa
E o coração na boca

Vou saber se o saldo
Estará com a luz vermelha
Ou se a bazófia foi pouca

A cada folha extraída
Do caderno e do calendário
Desconfio que a vida
Segue conforme meu itinerário

Enquanto o dia acontece
Tento ficar a par do que me abrange
Como se eu pudesse
Correr tanto quanto o meu sangue.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Na curta temporada da peça

Verto-me em lágrimas
Com cenas de novelas

Visto-me de máquina
Na curta temporada da peça

Veto-me ao não dar braçadas
Na cidade árida e submersa

Vendo-me por nada
Em nome da visão periférica

Vingo-me na estrada
O tempo de carona atropela

Valho-me com palavras
Impressas e expressas às pressas

Venço-me a cada mancada
Quase ninguém erra

E volto para a minha casa
Onde a vida me espera