sexta-feira, 19 de abril de 2024

Administradores


 Somente administradores 

Podem enviar mensagens 

Todos os exploradores 

Chamam os povos indígenas 

De índios selvagens 


Todos os saqueadores 

Da natureza são facínoras

O resultado nos arredores 

Reflete a selvageria 

Dos acionistas e credores 


Desde a monarquia 

Aos dias de hoje

Aliás o dezenove 

De abril é a data

Dos primeiros ecologistas


Defensores da mata

Dos rios impolutos

Dos ritos sem farsa 

Dos ritmos oriundos

Da chuva, da carta


Emitida do lado de cima

E a tribo dita civilizada 

Mata os povos indígenas

Pela tecnologia avançada 

Com humanidade ínfima


Civilização selvagem

Não imagina que também morre

Mamãe, papai, alguém da torre,

Quando termina a viagem?

Só administradores enviam mensagens.



quinta-feira, 18 de abril de 2024

Vida longe, vida aqui, vida até

 

A vida não é a vivida

Mas a recordada

E o modo

Com que me recordo


Para contá-la

Vida longe, vida aqui, vida até

A vida lembrada

É a propriamente dita


Que serventia tem, gente boa,

Se creio ou não em Deus?

O que se leva em conta é 

Saber se Deus bota fé


Na minha pessoa

Luzes, penumbras e breus

Nenhum amor ou paixão 

É capaz de atingir


O esplendor, a perfeição

Ao procurar no seu par

O que só rola encontrar 

No interior de si


Vida longe

Vida que se esconde 

Vida aqui

Vida souvenir


Vida até

Uma vida qualquer

Toda a minha vida

Memória, mobília. 



segunda-feira, 15 de abril de 2024

Bulevar dos comuns

 

Quanto mais vi da grande peça 

Menos pude caber no seu elenco

Tento, falho, não me interessa

O tempo voa se fingindo de lento


O tipo de prosperidade 

De que careço

Não é fazer o que tenho vontade

Mas não fazer o que não quero


Todos nascemos insanos 

Continuam assim alguns

No passar dos anos

Pelo bulevar dos comuns


Tento mais uma vez só

Fracasso novamente

Um vexame melhor

Mais fresco e quente 


A virtude plena

Anula o indivíduo

Com veemência 

Da mesma maneira é o vício


Através da indolência 

E da ostentação 

Oriundas da intransigência 

E da tentação


Uma experiência profunda 

Nunca, nunca, nunca é serena

Quem argumenta alegando poderio usa

A memória no lugar da inteligência 


O que seria da marmita 

Sem o forno de micro-ondas? 

Uma boia fria, todavia

Não me afogo de fome nem de ondas


Só quem provou sabe como é 

Um híbrido de satisfação 

E tristeza depois da refeição

Sobretudo sem café


Todos estreamos loucos

Prosseguem assim alguns

Bolados, estranhos e soltos 

Pelo bulevar dos comuns. 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Embarcação mundana

 

A Terra é azul

A terra é preta

A terra é humilde

A Terra é um planeta 


A Terra é sobre-humana 

É divina, é soberana

Da terra vem a planta

A terra é húmus 


Embarcação mundana

É o barco, é a canoa

Em que todos estamos

Todas as pessoas


Más, neutras e boas

A Terra é o nosso exílio

A Terra é o domicílio 

De todo mundo


A terra é adubo

A terra gera

Trabalhador e vagabundo

Banqueiro e poeta


Se não cuidarmos dela

Todos os lares

Podem ir pelos ares

E não haverá terra


Para enterrar os mortos

Para abraçar os nossos

Muito menos guerra

Na nossa casa


A Terra é azul

Segundo o astronauta Yuri Gagárin

Em doze de abril

De mil novecentos e sessenta e um


A Terra é o ninho

É o nosso planeta

A nossa placenta

Lugar comum


A Terra pede paz

Da cor do céu e do mar

Antes que seja

Tarde demais


A nave navega

A terra é preta

Geral nasceu nu

A Terra é azul.



quarta-feira, 10 de abril de 2024

Consolos e sinônimos

 

Vamos ser marginais

Mergulhando na paz

Carvão e diamante

Ancião e infante


Contrastantes e iguais,

Diamante e carvão

Do mesmo carbono

Infante e ancião 


É um grito afônico

Sejamos menos distantes

Tudo é virtual e virtuoso demais

O tédio não tem nenhum instante


Para entreter quando nada se faz

Pelo apego ao abandono

Pela franqueza de ser feliz 

Para entender a fraqueza do não


A fim de que a arte finque

A sua fortaleza, os sonhos

O seu estandarte aqui

Com Drummond, Tarsila, Chico, Leminski


Caetano, Lennon, Vinícius, Rita Lee

Pessoa, Dali, Gil, Frida e Kandinsky

Traduzindo anjos e demônios

Salvando mais do que religião 


Choro e gargalho por pura bobeira

Para chegar ao coração eterno

Que bomba um mundo meu

O milagre é o dia seguinte


Os galhos da árvore chegam ao céu

Quando as suas raízes beijam o inferno

Escrevo com ares e teclas

Sou sustentado pela cabeça e pelo chão 


Não me atirem balas nem pedras

No cotidiano de gala

Na raridade de praxe

No eclipse às claras


Sulamericano poeta

Achando saudade e graça

Protocolo e coragem 

Maldade e perdão


O passado não volta mais

Do que o desejo de retorno

A energia se manifesta 

Vamos estar à margem


Do albergue, fora da cidade 

Iceberg no forno

Tudo o que foi já era

Agora será um tempo atrás


Assim a arte deixa

Consolos e sinônimos 

Na sua geladeira aquele recado

Com Pagu, Milton, Machado, Raul Seixas


Gullar, McCartney, Quintana, Picasso

Kubrick, Cacaso, Lispector e Bandeira

Vento, projeto e acaso

Dando sentido, alívio e direção.



segunda-feira, 8 de abril de 2024

Mania de perseguição


Mania de perseguição
Dos próprios sonhos
Com lápis à mão
Logo os sonhos também

É um sermão, é um colapso
É uma façanha, um engodo
Uma mecânica, um contrato
Tive infância, eu sei

Está ao lado a renovação
Do mundo hediondo
Relato da autodestruição
O dinheiro é a lei

Já se decompondo
É mister, é preciso
É um dever, é um estrondo
O pedido para mim e você

Apesar da escuridão
O ar vem com uma espécie
De prece, de vento novo
Não só parece como é a vez

Para que a mente pesque
Numa preciosa imaginação
Pela sinapse feliz dos neurônios
Dos canis aos ateliês

Mania de perseguição
Dos meus objetivos
Sou objeto, carne, dente, osso
Louvo a cor da minha tez

E me movo pela respiração
Não tendo, mas sendo espírito
Ar, terra, água e fogo
Alguém fará o que nunca fez

Eu quero usar a camisa
Escolar assinada no fim do ano
Até rasgá-la com o meu tamanho
E nostalgia daqueles futuros dias.


sexta-feira, 5 de abril de 2024

Nunca somos nós


Nunca somos nós

Quando há multidão 

Não nos vemos mais

Na fila do pão


Estamos sós

Desenganos, eclipses

Desígnios comerciais

Clipes musicais, delírios 


Da velha televisão

Evito dar tanta audiência 

Aos telejornais e às crises

Autoproteção não me aliena


Dos canais que transmitem 

Pautas banais

Falta de evolução 

Falhas nos acordos de paz


A violência vale

Para os covardes

Eu preciso sempre ir à praia

Para me lembrar por dentro 


Renascer, chocar, ficar me vendo

E me lixar para o trauma

Remédio e veneno 

No mar mexido e com calma


Nunca somos nós

Quando há outras

Peças e pessoas

Que são os reais nós.